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Por que a Revolução Francesa é o marco do Estado de Direito moderno? Parte I

Por que a Revolução Francesa é o marco do Estado de Direito moderno? Parte I

Conteúdo postado em 09/06/2025

A Revolução Francesa (1789–1799) não foi apenas uma convulsão política em solo europeu; foi um ponto de inflexão que alterou, de forma irreversível, os fundamentos do poder, da legitimidade e do próprio Estado moderno. Seu impacto ultrapassou as fronteiras da França, lançando as bases para a construção das democracias constitucionais e influenciando profundamente o pensamento político e jurídico ocidental. Mais do que uma simples derrubada da monarquia, a Revolução articulou uma verdadeira reconfiguração do tecido social, econômico e normativo, centrada em princípios como igualdade perante a lei, soberania popular e secularização do poder.


Sob o olhar do candidato ao Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD), compreender os aspectos sociopolíticos e jurídico-normativos da Revolução Francesa é fundamental para interpretar os processos históricos de formação do Estado de direito, da cidadania moderna e das instituições que definem o mundo contemporâneo. Este artigo, portanto, examina esse contexto com foco em suas causas estruturais, dinâmicas internas e legados institucionais, articulando os elementos sociais, políticos e legais que transformaram o Antigo Regime em um novo paradigma de poder.


1. O contexto sociopolítico da França pré-revolucionária


1.1 Uma sociedade baseada no privilégio


Antes de 1789, a França era regida por um modelo político-social conhecido como Antigo Regime, no qual a desigualdade não era um problema a ser resolvido, mas uma estrutura a ser preservada. A sociedade era rigidamente estamental, dividida em três ordens com funções, direitos e obrigações distintas:


- Primeiro Estado (clero): responsável pela vida espiritual e pela educação, gozava de isenções fiscais e grande influência política.


- Segundo Estado (nobreza): detentor de terras e cargos no exército e no alto escalão do governo, também isento de muitos impostos.


- Terceiro Estado (plebe): abrangia desde a burguesia urbana até camponeses e trabalhadores braçais — mais de 95% da população, suportando quase todo o peso tributário.


Essa estrutura desigual era legitimada por uma concepção teológica e absolutista de poder: o rei reinava por direito divino, e a lei era expressão direta da vontade do monarca. Nesse cenário, a ascensão de uma burguesia letrada, enriquecida pelo comércio e sensibilizada pelos ideais iluministas, começava a tensionar a legitimidade do sistema.


1.2 Crise fiscal e a fagulha do descontentamento


O colapso do Antigo Regime não se deu apenas por razões filosóficas. A França do final do século XVIII vivia uma profunda crise fiscal, causada por décadas de gastos militares, especialmente com a Guerra dos Sete Anos (1756–1763)e o apoio francês à independência americana (1776). O Estado gastava mais do que arrecadava, e os ministros das finanças — incluindo Necker e Calonne — fracassavam sucessivamente em impor reformas fiscais que atingissem a nobreza e o clero.


Sem saída, o rei Luiz XVI convocou os Estados Gerais em maio de 1789 — uma assembleia que não era reunida desde 1614 e que reunia representantes dos três estamentos. O objetivo era obter legitimidade para aprovar novos tributos. No entanto, a reunião rapidamente se transformou em um espaço de conflito político, pois os representantes do Terceiro Estado exigiam uma representação proporcional ao seu peso populacional, além de voto por cabeça (e não por ordem), algo que colocava em xeque os privilégios dos dois primeiros Estados.

Essa tensão culminaria, dias depois, na autoproclamação da Assembleia Nacional Constituinte. A partir dali, não se tratava apenas de solucionar uma crise econômica, mas de refundar as bases da sociedade e do Estado.


2. A influência do Iluminismo


Nenhuma grande transformação política ocorre no vácuo das ideias. A Revolução Francesa foi, ao mesmo tempo, um terremoto político e a manifestação prática de um novo edifício filosófico que se erguia na Europa desde o século XVII: o Iluminismo. Este movimento intelectual, centrado na razão, na crítica à autoridade arbitrária e na valorização do indivíduo, serviu como arcabouço teórico para os revolucionários franceses e, mais amplamente, para o nascimento das democracias modernas.


O Iluminismo forneceu os instrumentos conceituais com os quais se ergueram os fundamentos de um novo regime — baseado na legalidade, na soberania popular e na universalidade dos direitos. A crítica à autoridade divina e ao absolutismo deu lugar a uma visão de mundo em que o poder político precisava ser legitimado pelo contrato social e controlado por mecanismos institucionais racionais. Não por acaso, a Revolução Francesa foi, em muitos sentidos, a tentativa concreta de dar forma ao que antes era apenas pensamento filosófico.


2.1 Ideias revolucionárias: a filosofia como motor político


O Iluminismo não foi um corpo único de pensamento, mas um campo plural de ideias que convergiam em torno de um princípio comum: a razão humana como critério último de autoridade. Essa premissa levou à reinterpretação dos fundamentos da vida política, da legitimidade do Estado e dos direitos dos indivíduos.


- Jean-Jacques Rousseau foi talvez o mais influente entre os teóricos na moldagem direta do espírito revolucionário. Sua concepção de vontade geral — distinta da soma dos desejos individuais — defendia que a verdadeira soberania reside no coletivo, e não no governante. Esse princípio foi internalizado nos debates constitucionais da Revolução e aparece de forma explícita na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789).


- Montesquieu, em O Espírito das Leis (1748), ofereceu uma arquitetura institucional para limitar o poder: a separação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário. Tal ideia inspiraria não apenas o modelo constitucional francês, mas também democracias contemporâneas em todo o mundo.


- John Locke, com sua doutrina dos direitos naturais à vida, à liberdade e à propriedade, ofereceu um ponto de partida liberal à Revolução. Para Locke, o governo existe para proteger esses direitos — e pode ser deposto se os violar. Sua teoria do contrato social conferia legitimidade à substituição da monarquia absoluta por um regime representativo.


- Voltaire, crítico mordaz da intolerância religiosa e do clericalismo, defendeu a liberdade de expressão e de culto como pilares de uma sociedade civilizada. Suas ideias foram centrais para o processo de secularização da vida pública francesa, que se intensificaria especialmente a partir da Constituição Civil do Clero (1790).


Em conjunto, esses autores ofereceram uma nova gramática política, que permitia à burguesia revolucionária — e depois aos setores populares — imaginar um mundo em que os governantes fossem responsabilizados por suas ações, a lei fosse expressão da razão pública e os direitos individuais fossem invioláveis.


2.2 A crítica ao absolutismo: do rei-sacralizado ao cidadão-legislador


Se os ideais iluministas forneceram a inspiração, a crítica ao absolutismo deu o impulso. O sistema político vigente na França do Antigo Regime estava centrado no poder absoluto do rei, legitimado pelo chamado “direito divino”. O monarca era, por definição, infalível e inquestionável — sua palavra tinha força de lei. Essa estrutura concentrava todas as decisões nas mãos do soberano, relegando os súditos à condição de meros executores de sua vontade.


Para os iluministas, esse modelo era não apenas injusto, mas irracional. Eles argumentavam que nenhum indivíduo — nem mesmo um rei — poderia estar acima da razão e da lei. A legitimidade política deveria emergir não da tradição ou da religião, mas da vontade dos governados. O Estado deveria ser fruto de um contrato social, no qual os cidadãos transferem parte de sua liberdade ao poder público em troca de proteção de seus direitos e garantia de justiça.


A ascensão da ideia de Estado de Direito começa justamente nesse ponto. A lei, doravante, não seria mais a vontade pessoal do monarca, mas uma norma geral, impessoal e racional, aprovada por representantes legítimos da sociedade. Esse princípio — que ficaria conhecido como legicentrista — teve profunda influência no arcabouço jurídico que a Revolução Francesa viria a consolidar.


Foi nesse contexto que emergiu o conceito de cidadania ativa: o indivíduo deixava de ser súdito e passava a ser sujeito de direitos e obrigações, capaz de participar — ainda que de forma censitária, num primeiro momento — das decisões que moldavam o destino coletivo.

Essa transição de uma autoridade sacralizada para um poder civil racional foi um dos maiores legados do Iluminismo à Revolução Francesa. A crítica ao absolutismo não era apenas uma recusa ao autoritarismo, mas a fundação de uma nova forma de pensar a política — com base na igualdade jurídica, na deliberação pública e na razão universal.


À luz das ideias e os contornos de uma nova ordem


Ao iluminar os alicerces filosóficos da Revolução Francesa, fica evidente que não se tratou apenas de um levante contra um regime ultrapassado, mas da manifestação histórica de uma nova visão de mundo. O Iluminismo forneceu o vocabulário, os princípios e a estrutura conceitual que permitiram aos revolucionários transformar indignação em projeto político, e contestação em fundação normativa.


A ruptura com o absolutismo não foi apenas institucional, mas simbólica: substituiu-se o rei ungido por Deus pelo cidadão legislador, guiado pela razão. Essa transformação inaugura uma nova gramática da política — em que direitos, legalidade e participação se tornam eixos centrais da vida pública.


Mas o impacto da Revolução não se esgotou na filosofia ou nas declarações de direitos. Ele se concretizou em normas, constituições, códigos e reformas que redesenharam as relações entre Estado, sociedade e indivíduo.


É justamente essa transição — da ideia à norma, da teoria à prática jurídico-política — que será o foco da Parte II deste artigo, na qual examinaremos com mais profundidade as características jurídico-normativas da Revolução Francesa, suas instituições e seus desdobramentos legais.


Até lá!


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